É essencial enfrentar as nossas sombras, explorar as feridas da infância e desvendar os traumas que herdamos das gerações anteriores.
Não me interpretem mal.
Mas o trabalho das sombras do coletivo é um processo em camadas. Começa com você, mas não termina em você. Mais importante ainda, é familiar, social, cultural e global. E, para realmente mergulhar fundo, precisamos seguir em frente e retirar as camadas de lixo que inconscientemente absorvemos.
Em poucas palavras, se estivermos interessados em incorporar autenticamente nossa verdadeira natureza – nosso coração e alma -, precisamos examinar também como internalizamos o racismo, o sexismo, a homofobia e outras sombras coletivas que permeiam toda a sociedade.
E para fazer isso, precisamos desmantelar corajosamente e incansavelmente as ideologias espirituais tóxicas nas quais estamos condicionados a acreditar (mais sobre isso em breve).
Mas primeiro…
O que é ‘Sombra do Coletivo’?
A ‘Sombra do Coletivo’ é o lado sombrio da humanidade. É a soma total de atrocidades, crueldades, tragédias e horrores do passado e do presente perpetrados pela humanidade e armazenados em um nível celular profundo, inconsciente.
Essa escuridão nem sempre é flagrantemente aparente, pois ela é muito antiga e arraigada nas fibras da nossa sociedade em todos os seus níveis.
Exemplos de sombra do coletivo incluem discriminação religiosa, racismo, sexismo, desigualdade social, preconceito contra idosos ou pessoas com limitações físicas, homofobia/transfobia e qualquer formada de discriminação que as pessoas usam para condenar, rejeitar ou diminuir certos indivíduos ou grupos.
Trabalho nas Sombras do Coletivo: o nosso maior ponto cego…
Em algum momento de nossos caminhos espirituais, seremos expostos à essa idéia de trabalhar as nossas sombras. Existem muitos professores, mentores e outras pessoas do tipo espiritualista por aí que nos incentivam a dar uma boa olhada em si mesmo e no que está escondido nas profundezas do nosso inconsciente.
Isso é ótimo…
Mas há um silêncio que enche a comunidade espiritual e é ensurdecedor. E esse silêncio é o ato de ignorar a importância do Trabalho de evolução e autoconhecimento focado nas Sombras do Coletivo.
Até um ano atrás, esse também era meu ponto cego – eu negligenciei totalmente a importância e a necessidade essencial de examinar as Sombras Coletivas, como o racismo e a intolerância arraigados.
Não liguei os pontos entre o que estava acontecendo no meu mundo interno e na sociedade ao meu redor. Então, eu estou me expondo aqui, sou dono dessa ignorância e assumo a responsabilidade.
Estou me esforçando para incluir essas questões vitais na minha exploração do trabalho de sombras agora, apesar de não ser especialista em tudo o que estou mergulhando e definitivamente tenho muito a aprender.
E então, olhei ao meu redor e vi que esse silêncio coletivo não era apenas endêmico para mim, mas uma pandemia se infiltrando na maioria dos círculos espirituais, de bem-estar e de autotransformação.
Ninguém estava falando sobre isso. (somente alguns poucos indivíduos raros e excepcionais.)
Ninguém estava falando sobre como nossa prática espiritual ajuda ou dificulta a igualdade ou a justiça racial.
Ninguém estava falando sobre envelhecimento, inclusão social, portadores de necessidades especiais, transfobia, homofobia e outras maneiras de rejeitar e diminuir nossos irmãos, irmãs e almas.
Sim, eu podia ver por exemplo no meio em que convivo muitos trabalhos voltados para o sagrado feminino focado no empoderamento das deusas, mas esse trabalho geralmente era centrado em mulheres brancas e ricas, com dinheiro e tempo suficiente para investir em cursos caros, aulas de ioga e produtos de limpeza veganos.
Considerando que o feminino deve ser representado por todas as etnias, raças, classes e ideologias, esse é apenas mais um exemplo da elitização estrutural até mesmo na sororidade.
Não apenas isso, mas eu percebi não apenas uma negligência total de explorar a Sombra Coletiva em diversos meios espiritualistas focados no “guru do patriarcado” (novamente, exceto por algumas raras exceções), mas também um estado de negação direta da mesma.
Como a espiritualidade moderna nega e acaba contribuindo com as Sombras do Coletivo
Vamos tirar um momento para respirar profundamente, nos aterrar e nos conectar com nossos corações.
Meu objetivo neste artigo é vir de um local de cuidado, preocupação e humildade, reconhecendo minha ignorância, sabendo que tenho muito o que aprender, descompactar e processar – e sempre o farei.
Sei que pode ser difícil ler artigos como esse, pois eles nos desafiam de maneira profunda e visceral.
Mas saiba que isso é feito com compaixão. É normal sentir-se envergonhado, culpado, com raiva de nós mesmos, com nojo dos outros, reativo e defensivo ao ser desafiado. Portanto, esteja ciente disso e continue. Deixe as camadas serem retiradas.
Aqui estão algumas maneiras que a espiritualidade moderna nega e também contribui para a Sombra Coletiva:
“Concentra-se apenas no positivo” (isso nos coloca em um estado de negação da realidade e envergonha aqueles que têm problemas legítimos que precisam de espaço e compaixão)
“Apenas boas vibrações” (isso nos faz negar a importância de qualquer coisa que esteja acontecendo ao nosso redor que seja de “baixa vibração” e nos incentiva a escapar para um mundo espiritual dos sonhos)
“Você atraiu essa situação” (ou seja, aqueles que são discriminados devido à cor de sua pele, sexualidade, idade, capacidade mental / física etc. “provocaram a si mesmos” – imagine como isso é sociopático quando você diz isso para alguém que está sofrendo)
“Esse é o seu karma” (isso é usado como uma outra maneira de afastar e desconsiderar a dor de alguém, atribuindo-a a algum tipo de força cósmica retributiva)
“Você manifesta a sua realidade” (essa é outra maneira de dizer que basicamente “é muito ruim você estar sofrendo, mas a culpa é sua”, ou seja, é essencialmente uma forma de culpar as vítimas)
“Tudo é uma ilusão” (em um nível absoluto isso até pode ser verdade, mas também estamos operando em um nível humano e que precisa ser respeitado, reconhecido e vivido – dizer que tudo é uma ilusão está ignorando a importância de enfrentar os problemas que estão acontecendo dentro de nós mesmos e na sociedade)
“Tudo é amor” (novamente, em um nível absoluto, isso pode ser verdade, mas a nível humano, precisamos ter cuidado para não desconsiderar a realidade da dor, nossa e de outras pessoas – que ela mesma não é amor, mas sim negação)
“A sociedade é má/inconsciente” (essa é uma filosofia comum mantida por muitas pessoas espirituais que a usam como uma desculpa inconsciente, ironicamente, para fechar seus corações e ignorar o sofrimento do mundo, a fim de facilitar sua vida)
“Sou um trabalhador da luz, eu não dou atenção as sombras” (essa desculpa e crença é usada pelos buscadores espirituais modernos que acreditam que o Trabalho das Sombras não se encaixa em sua missão – que se trata de espalhar luz e amor – no entanto, negando a Sombra, pessoal e/ou coletivamente, estão paradoxalmente vivendo e perpetuando as trevas)
“Espiritualidade e tudo o que está acontecendo na sociedade não se misturam” (essa definição se concentra em compartimentar e elevar a espiritualidade acima da vida cotidiana – no entanto, para que serve a espiritualidade se ela não nos ajudar a lidar com as realidades do mundo em que vivemos? Isso é claramente desvio e escapismo espiritual)
Tenho certeza de que existem muitas outras crenças, filosofias e declarações por aí – por isso, se eu perdi alguma, sinta-se à vontade para compartilhá-las abaixo nos comentários. Vamos nos educar!
5 maneiras de aprofundar seu Trabalho de Sombras
Como Carl Jung, o psiquiatra suíço que popularizou o conceito do Eu das Sombras, certa vez escreveu:
Nenhum de nós está livre da sombra negra coletiva da humanidade. ~ Carl Jung
Você ouviu isso. Nenhum de nós.
Todos nós carregamos a Sombra Coletiva dentro de nós e é nossa responsabilidade desvendá-la.
De fato, quanto mais perdidos nos rótulos espirituais, nas filosofias que criam bolhas de proteção ao nosso redor e nas ilusões, mais propensos a espalhar e reforçar não apenas a sombra pessoal, mas também a Sombra Coletiva.
Vemos exemplos disso em esferas espirituais e de auto-desenvolvimento que culturalmente se apropriam das práticas indígenas, excluindo os negros e indígenas de seus grupos, perpetuando inconscientemente padrões heteronormativos, incentivando o sexismo em volta da figura do guru masculino incorruptível, que cobram por seus serviços taxas irracionais que excluem os financeiramente desfavorecidos.
Então, como podemos enfrentar a enorme fera que é a Sombra Coletiva?
Primeiro, precisamos perceber que tudo o que foi internalizado dentro de nós é antigo. Nós nunca iremos desfazer ou purgar totalmente tudo isso. A Sombra Coletiva é literalmente a soma total de todas as trevas, todas as atrocidades que já foram experimentadas e cometidas pela humanidade.
No entanto, o que podemos fazer é iniciar esse trabalho em nós e continuar com ele ao nosso redor.
Os benefícios são muitos: nos mantém humildes, abertos e dispostos a aprender e crescer cada vez mais e mais. Quando acreditamos que somos de alguma forma “perfeitos” ou que estamos além desses problemas, é onde a estagnação e o egoísmo se instalam. É aí que a escuridão se multiplica.
Com tudo isso dito, aqui estão cinco maneiras de começar a incorporar o Trabalho Coletivo das Sombras em sua prática espiritual:
1. Ouça aqueles que levam vidas diferentes e têm um contexto diferente de você
Expanda a bolha da sua consciência. Abaixe a guarda, fale menos, ouça mais, concentre a sua atenção na maneira como os outros se sentem (e pare de achar que o mundo gira ao seu redor) e, acima de tudo seja receptivo.
Ouça as histórias de negros e indígenas e o que eles sofrem todos os dias. Ouça aqueles cujas vidas se tornaram sofridas como resultado de sua preferência ou identidade sexual.
Escute aqueles que são neurodiversos. Ouça as pessoas com deficiência. Ouça, ouça, ouça. Existem muitas maneiras de fazer isso – o youtube é o primeiro lugar que vem à mente. Você também pode ouvir podcasts ou, se você é um amante de livros, expanda seu repertório de livros.
Se você tiver a possibilidade e a oportunidade, inicie uma conversa com alguém que tenha uma experiência de vida diferente da sua. Fazer isso enriquecerá sua mente, sua perspectiva e abrirá seu coração.
2. Observe seu preconceito arraigado e condicionamentos negativos
De que maneira você está perpetuando idéias e crenças antigas e doentias?
Observe as pessoas que você ouve e segue, os produtos que compra, as pessoas que apóia financeiramente, os amigos que tem, os sentimentos que tem em relação a certos grupos e qualquer outra área da vida que se contraia.
É extremamente útil manter um diário ao realizar qualquer tipo de trabalho das sombras – especialmente o trabalho coletivo das sombras. Ao manter um diário, você poderá se referir a momentos em que observou a sombra coletiva emergir em seu pensamento ou comportamento. Isso irá ajudá-lo a aprender e crescer.
3. Pergunte a si mesmo: “De que maneira estou alterando essa pessoa ou grupo de pessoas?”
“Othering” é um termo em inglês usado na sociologia que significa tratar outra pessoa ou grupo como essencialmente estranho e reduzi-los a uma posição socialmente inferior a nós. Essencialmente, o outro é criar um “grupo interno” (do qual fazemos parte) e um “grupo externo” (do qual eles fazem parte).
Muitas vezes, o “othering” envolve projetar qualidades negativas e condenáveis no “outro grupo” de pessoas. Por exemplo, um país pode projetar qualidades de selvageria, engano e maldade em outro país – e, portanto, esses dois países acabam entrando em guerra. O mesmo vale para muitas sociedades que valorizam e elevam a ‘brancura’, por exemplo, e desvalorizam e degradam a ‘escuridão’.
O problema com o “othering” é que ele vem de um lugar de puro ego. É uma maneira de separar o mundo que nos eleva diminuindo outras pessoas. Isso nos faz desconectar de nossos corações e maltratar/alienar os outros porque, em algum nível, acreditamos que eles essencialmente “merecem”.
4. Assuma a responsabilidade e pratique a humildade
Ao fazer qualquer forma de trabalho coletivo das sombras – ou seja, explorar como internalizamos inconscientemente partes da sombra coletiva – precisamos estar cientes de que vamos estragar tudo.
Nós vamos cometer erros. Podemos ofender alguém ou ser impopulares. Tudo bem. Não há problema em ser imperfeito. Não há problema em dizer a coisa errada.
O que importa é o que você faz depois de saber que cometeu um erro. Você se desliga totalmente e para de fazer esse trabalho vital? Você reage e é agressivo? Ou você pratica a humildade, pede desculpas e toma medidas sinceras para abrir ainda mais seu coração e mente?
Assumir a responsabilidade pessoal é crucial. É fácil apontar o dedo para os outros. Mas é muito mais difícil colocar o espelho em nós mesmos. Lembre-se de que todas as mudanças, pessoais ou coletivas, começam por dentro.
5. Conecte-se com o seu coração e seja proativo!
Quando nos conectamos com nossos corações e fazemos esse trabalho de um lugar centrado no coração, é quando isso tudo se torna mais impactante. É aí que podemos ser os mais proativos.
Você precisa ir a todas as manifestações e protestos por aí? Não, não necessariamente. Seu Trabalho Coletivo das Sombras pode significar uma centena de coisas diferentes.
Você pode optar por ampliar as vozes dos ativistas de certos movimentos do em suas redes sociais. Você pode se manifestar contra a homofobia em seu círculo social. Você pode tornar sua empresa mais acessível para pessoas com deficiência.
Você pode registrar suas inquietações no seu diário pessoal ou criar artes sobre as sombras coletivas. Você pode doar e apoiar movimentos como o Black Lives Matter e os direitos LGBTQIA+. Você pode ler livros, participar de workshops ou ouvir músicas sobre esses problemas. Você pode honrar a terra em que está e respeitar os proprietários indígenas originais. Existem muitos caminhos.
O importante é fazer alguma coisa – porque, se a sua espiritualidade também não se estende às realidades do cotidiano, para que ela serve, afinal? (Esto dizendo isso de um lugar de amor.)
Reconheço a minha ignorância e os privilégios que tenho
Não sou uma autoridade em nenhum dos problemas mencionados neste artigo, apenas um observador. Eu sou um buscador, um ser humano defeituoso, assim como você, assim como todos nós somos.
Embora eu seja de fato um ser espiritual tendo uma experiência humana, reconheço que também sou um homem branco, de classe média alta, de corpo magro, cisgênero, hetero, que vive na terra roubada do povo Tupi Guarani.
O fato de eu ser capaz de escrever essas palavras e divulgá-las para um público grande que está disposto a ouvir se deve ao meu privilégio – e à sombra coletiva na qual eu, sem saber, contribuo, participo e sofro como resultado de se beneficiar disso.
Espero que este artigo tenha inspirado você a mergulhar mais fundo com o seu Trabalho das Sombras. Não é fácil, mas é tão crucial, tão poderoso e tão importante. Não posso enfatizar isso o suficiente.
Se você tiver algo para compartilhar ou adicionar a este artigo, adoraria ouvi-lo nos comentários abaixo.
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